A teoria da dissonância cognitiva, desenvolvida pelo renomado psicólogo comportamental de Nova Iorque, Leon Festinger, se manifesta quando há um grande abismo entre o discurso e a prática de uma pessoa, e suas atitudes buscam evitar situações que aumentem a dissonância interna. Atualmente, a maioria das empresas no Brasil enfrenta o que denomino como Dissonância Cognitiva Organizacional, especialmente no setor de RH. Baseando-me em experiências empíricas como Presidente da ABRH Bahia, identifico esse fenômeno em 8 de cada 10 organizações com as quais tenho relação.
Conforme pesquisa realizada pela VOCÊ RH, apenas 15% dos RHs no Brasil participam de decisões estratégicas, embora 85% das empresas aspirem por um RH estratégico. Somente esse fato já traz uma forte evidência da existência de uma dissonância cognitiva organizacional acontecendo no universo corporativo brasileiro, mas vamos observar outras evidências.
Culturalmente, o orçamento destinado ao RH é o último a ser definido e o primeiro a ser cortado. Surpreendentemente, 8 de cada 10 gestores de RH não têm autonomia para decidir sobre seu próprio orçamento. Quanto à governança, a maioria dos líderes de RH reporta-se a Diretorias como Administrativa, Financeira e, em casos menos favoráveis, à Diretoria de Transformação Digital. Este modelo de governança gera conflitos de interesse nas decisões estratégicas, a partir do momento em que a liderança de RH não se reporta diretamente ao CEO da organização, pois à Diretoria Financeira possui OKR’s e KPI’s diametralmente opostos aos objetivos e indicadores de uma Diretoria de RH. Em relação à Diretoria de Transformação Digital, uma pesquisa feita pelo Boston Consulting Group, revela que 70% dos projetos de Transformação fracassam e um dos motivos é não envolver a liderança de RH no planejamento do projeto de Transformação Digital, afinal antes da Transformação Digital, se faz necessário implementar um projeto de Transformação de Cultura Organizacional e esse projeto, deve ser liderado pelo RH.
Agora, vamos observar como esse fenômeno gera impactos negativos em profissionais de RH através dos seguintes indicadores:
- 36% dos profissionais relatam sentirem-se frustrados em seu cotidiano¹
- 1 em cada 4 expressa tédio em relação ao trabalho;
- 67% relatam sintomas como exaustão, sobrecarga, ansiedade, estresse e insatisfação com a empresa.
1 Pesquisa dos Modelos Operacionais de RH da Mercer.
Na minha visão, a dissonância cognitiva organizacional mais evidente ocorre quando empresas proclamam valorizar as pessoas, mas, diante de decisões estratégicas ou crises, priorizam processos, tecnologias e infraestrutura. O principal papel do RH é cuidar da relação entre o CPF e o CNPJ, da pessoa com a empresa, se a liderança de uma organização afirma que negócios são feitos de pessoas e na parede da sua sala, onde estão os velhos quadros de Propósito, Missão, Visão e Valores, possui frases bonitas como: “Acima de tudo Pessoas”, “Pessoas em primeiro lugar”, essas frases precisam ser praticadas em todas as etapas da Jornada do Colaborador, todo santo dia. O RH é responsável pelas duas principais fontes de resultados e impactos de uma organização, as pessoas e a cultura organizacional. A ausência de um RH genuinamente estratégico leva à queda de performance, compromete o clima organizacional, o desenvolvimento de lideranças, a produtividade e o bem-estar dos colaboradores, culminando em perdas financeiras expressivas. Portanto, é totalmente dissonante o setor de RH não ser uma área estratégica, não ser valorizado, não ter autonomia na tomada de decisão e ter o menor orçamento.
Com a missão de superar a Dissonância Cognitiva Organizacional será necessário o alinhamento da visão e atitudes estratégicas entre as principais lideranças da empresa e a própria liderança de RH, pois se não houver o engajamento e comprometimento entre uma das partes, as Diretrizes Organizacionais e a Liderança de RH, esse fenômeno continuará causando danos tangíveis e intangíveis para a empresa e para as pessoas.
Vou compartilhar algumas soluções que proponho para as organizações e lideranças de RH mitigarem a Dissonância Cognitiva Organizacional:
1) Reestruturar a governança das empresas, buscando promover mais autonomia para a liderança do setor de RH e alinhamento estratégico com as outras lideranças, visando colocar o RH ao lado do no 1 do Negócio:
a) Para empresas que possuem mais de 500 colaboradores, criar o cargo e funções de VP de RH;
b) Para empresas que possuem de 50 a 500 colaboradores, criar o cargo e funções de Diretor de RH;
c) Para empresas que possuem de 1 a 50 colaboradores, criar o setor de RH desde o dia 1 da empresa;
2) A liderança de RH precisa entender do negócio. Quanto maior forma visão e atitudes estratégicas em relação ao negócio, maior será a relevância da Liderança de RH para a
organização. Sugiro uma prática simples e efetiva, aplique um 5W2H para cada Setor Chave da organização;
3) A liderança de RH deve assumir a responsabilidade de ser o Guardião da Cultura da Organização, buscando formas de mapear, estruturar, implementar, difundir e comunicar todos os elementos da Cultura Organizacional dentro da Jornada do Colaborador;
4) A liderança de RH necessita implementar o modelo de People Analytics para aprimorar a tomada de decisões com base em dados e utilizar a tecnologia para dessobrecarregar a operação.
O RH só se tornará estratégico com mudanças na governança. É essencial que a liderança do RH assuma um papel protagonista, e que seja reconhecida a sua importância na gestão da principal fonte de resultados e impactos das empresas: as pessoas. A relevância do RH emerge e ganha ainda mais força quando o setor evolui de “Recursos Humanos” para “Relações Humanas”. Pessoas não são recursos. Recurso é tudo aquilo que se queima para gerar energia. A maioria das organizações precisam parar de queimar pessoas no Brasil, mas vou deixar para explanar mais essa visão de transformação e ressignificação do setor de RH para o próximo artigo.
Em síntese, tenho fortíssima convicção que estamos adentrando a Era do RH, onde, nos próximos 30 anos, antecipo que esse setor será o mais valorizado no universo corporativo, terá o maior orçamento e o maior salário. Vamos juntos construir esse futuro hoje, construiremos a Era das Relações Humanas.
Vitor Igdal
Presidente da ABRH Bahia.
Vitor Igdal é formado em administração de empresas, fez intercâmbio para Cambridge na Inglaterra onde estudou Business. Intraempreendeu por 5 anos na Jabs Consultoria de Seguros e Resseguros de Grandes Riscos, chegando até o cargo de Diretor Comercial. Aos 25 anos Mudou de carreira e começou a trabalhar como Diretor de Conexões da Cazulo Negócios com Propósito e Co-Fundou a IKIGAI Brasil, organização focada em transformação de cultura organizacional, desenvolvimento de liderança e formações de autoconhecimento. Em 2020 Vitor foi convidado para assumir a Diretoria de Eventos da ABRH Bahia e a Liderança de Comunidade da Confraria do Empreendedor. Hoje Vitor Igdal é Sócio da Somos Conexões Estratégicas, Head de Comunidades do ConfraHub e assumiu a Presidência da ABRH Bahia, se tornando o presidente mais jovem da história de todas ABRHs.
Referências
ABRIL, Você RH. Só 15% dos RHs sempre participam das decisões estratégicas, diz pesquisa. Você RH. Disponível em: https://vocerh.abril.com.br/lideranca/so-15-dos-rhs-sempre-participam- das-decisoes-estrategicas-diz-pesquisa.
MERCER. Modelos operacionais de RH. Disponível em: |
https://www.mercer.com/pt- |
br/insights/people-strategy/hr-transformation/modelos-operacionais-de-rh/ |
. Acesso |
em: 28 de set. 2024.